(Revista
Isto É/SP)
O
mundo do trabalho vive sua maior transformação desde a Revolução Industrial e
busca um novo tipo de pessoas. Agora o que vale mais é ter formação
diversificada, ser versátil, autônomo, conectado e dono de um espírito
empreendedor
Esqueça
tudo o que você aprendeu sobre o mercado de trabalho. Estabilidade, benefícios,
vestir a camisa da empresa, jornadas intermináveis, hierarquia, promoção, ser
chefe. Ainda que tais conceitos estejam arraigados na cabeça do brasileiro –
quem nunca ouviu dos pais que ser bem-sucedido era seguir tal cartilha? –, eles
fazem parte de um pacote com cheiro de naftalina. O novo profissional, autônomo,
colaborativo, versátil, empreendedor, conhecedor de suas próprias vontades e
ultraconectado é o que o mercado começa a demandar. O modelo tradicional de
trabalho que foi sonho de consumo de todo jovem egresso da faculdade nas últimas
duas décadas está ficando para trás. É a maior transformação desde que a
Revolução Industrial, no século XVIII, mandou centenas de pessoas para as linhas
de produção, segundo a pesquisadora inglesa Lynda Gratton, professora da London
Business School e autora do livro “The Shift: The Future is Already Here” (“A
mudança: o futuro já começou”, em tradução livre).
Nas novas gerações esse fenômeno é mais evidente. Hoje, poucos recém-formados se veem fiéis a uma única empresa por toda a vida. Em grande parte das universidades de elite do país, os alunos sequer cogitam servir a um empregador. “Quando perguntamos onde eles querem trabalhar, a resposta é: na minha empresa”, conta Adriana Gomes, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), de São Paulo. Entre os brasileiros que seguem o modelo tradicional, a média de tempo em um emprego é de cinco anos, uma das menores do mundo, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) – os americanos trocam mais, a cada quatro anos. O ritmo dinâmico inclui mudanças de função, de empregador, e até de carreira.
Nas novas gerações esse fenômeno é mais evidente. Hoje, poucos recém-formados se veem fiéis a uma única empresa por toda a vida. Em grande parte das universidades de elite do país, os alunos sequer cogitam servir a um empregador. “Quando perguntamos onde eles querem trabalhar, a resposta é: na minha empresa”, conta Adriana Gomes, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), de São Paulo. Entre os brasileiros que seguem o modelo tradicional, a média de tempo em um emprego é de cinco anos, uma das menores do mundo, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) – os americanos trocam mais, a cada quatro anos. O ritmo dinâmico inclui mudanças de função, de empregador, e até de carreira.
O
cenário atual contribui. “Estamos migrando de um padrão previsível para um
modelo no qual impera a instabilidade”, diz Márcio Pochmann, presidente do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Quem apostar na estrutura
antiga vai sair perdendo, segundo a professora Tânia Casado, da Faculdade de
Economia e Administração da Universidade de São Paulo. Isso significa,
inclusive, rever o significado de profissão. “O que passa a valer é o conceito
de carreira sem fronteiras, ou seja, a sequência de experiências pessoais de
trabalho que você vai desenvolver ao longo da sua vida”, define Tânia, uma das
maiores especialistas em gestão de pessoas do País. Dentro desse novo ideal,
vale somar cada vivência, inclusive serviços não remunerados, como os
voluntários, e os feitos por puro prazer, como escrever um
blog.
O
conceito não é novo. Surgiu em 1993 da mente futurista de Michael Arthur,
professor de estratégia e negócios da Universidade Suffolk, nos Estados Unidos.
Só agora, quase 20 anos depois, é que a teoria começa a virar realidade. De
acordo com sua tese, a carreira sem fronteiras é aquela que se apoia no tripé
“por quê, como e com quem”. “É preciso se perguntar o que você quer da sua vida
e por quê; estudar para obter a técnica necessária e, por fim, estabelecer
relações nas quais exista uma troca de conhecimentos”, explica Tânia, estudiosa
da tese de Michael. Ou seja, você pode até passar anos no mesmo lugar, como
fizeram seu pai e avô, desde que tenha a mente flexível do profissional sem
fronteiras e busque autoconhecimento, atualização constante e intercâmbio de
experiências.
O
novo profissional também tem que ter jogo de cintura para os novos arranjos
trabalhistas. “A tendência é ter mais flexibilidade na remuneração, no tempo de
duração da atividade, no conteúdo e no fuso e local de trabalho”, destaca Werner
Eichhorst, diretor do Instituto de Estudos sobre o Trabalho de Bonn (IZA, sigla
em alemão), na Alemanha. O home-office, prática de trabalhar em casa que começa
a ganhar terreno, será a realidade de milhões de brasileiros nos próximos dez
anos, sobretudo nas grandes cidades sufocadas pelo trânsito.
A revolução
trabalhista está na pauta do dia por diversas razões. Em seu livro, Lynda
Gratton apresenta o resultado de um estudo feito com 21 companhias globais e
mais de 200 executivos na London Business School. Do extenso debate, ela elegeu
as cinco forças que estão moldando o trabalho e, claro, seus profissionais. Em
primeiro lugar, está a tecnologia. Como na Revolução Industrial, quando as
máquinas aceleraram a produtividade, hoje a vida em rede e os recursos de ponta
eliminam uma série de empregos e modificam outros tantos. No cenário brasileiro,
há de se considerar a herança deixada pelas amargas décadas de 1980 e 1990, nas
quais o desemprego e a terceirização explodiram – segundo Pochmann, o número de
trabalhadores sem carteira assinada e por conta própria subiu de 11,7% para
58,2% somente entre 1985 e 1990. Nos últimos anos, o desemprego vem diminuindo e
a formalização aumentou. Esse crescimento, porém, se deve mais pela geração de
novos postos de trabalho com carteira assinada do que pela regularização do
trabalho informal. Hoje, 45% dos brasileiros ativos não são registrados, de
acordo com o Ipea.
Outras três forças citadas por Lynda Gratton são
globalização, mudanças demográficas e preocupações ambientais. A primeira traz
com ela a entrada de novos países no grande jogo econômico global – como o
próprio Brasil. A segunda diz respeito à quantidade de gente no mundo – seremos
nove bilhões em 2050 –, e à maior expectativa de vida. E a terceira tem a ver
com as mudanças necessárias na forma de produzir e consumir para reduzir os
impactos no meio ambiente. Por fim, a autora destaca a quinta força: as
tendências de comportamento humano.
Mais gente viverá só, as famílias serão
menores e as relações afetivas serão foco de maior atenção. Trabalhar em casa ou
próximo da moradia, mais que uma questão sustentável, será uma opção pelo
bem-estar, algo que o brasileiro já valoriza. Em uma pesquisa feita pela
Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), no começo do ano, a meta
profissional mais desejada em 2012 pelos entrevistados é “melhorar a qualidade
de vida”, acima até da opção “ganhar mais”. “O workaholic está saindo de moda”,
afirma a professora Adriana Gomes, da ESPM. “Aos poucos, as pessoas foram
percebendo que a produtividade delas caía a médio e longo prazos.”
Não é só o
profissional que deve estar preparado para tamanha virada. As empresas,
sobretudo as grandes corporações que se expandiram ao longo dos últimos 20 anos,
também precisam arejar suas convicções. Uma das principais mudanças é dar mais
autonomia para que o funcionário crie, produza e evolua sem ficar estafado.
Tânia Casado, da USP, coordena um grupo de estudo que tem se debruçado sobre um
tema fresquinho, curioso e fundamental para o mundo corporativo: o “opt-out”.
Trata-se da prática, ainda pouco conhecida e aplicada, na qual as pessoas podem
continuar sua trajetória dentro de uma empresa sem ter que necessariamente
seguir a trilha convencional de subir na hierarquia. “Executivos de grandes
grupos me procuram preocupados com a fuga de talentos e me perguntam o que podem
fazer para retê-los”, diz a professora. Isso inclui principalmente mulheres que
gostariam de passar mais tempo com seus filhos após a licença-maternidade, sem
abrir mão da carreira. A resposta de Tânia é: opt-out. Ofereça opções ou os
talentos vão embora. Principalmente em um momento bom da
economia.
O
desafio de lidar com esse novo perfil é tão grande que é o tema do Congresso
Anual de Gestão de Pessoas (Conarh) deste ano, que será realizado em agosto. “Os
profissionais, em especial os jovens, guiam suas carreiras por suas causas e
valores”, diz Leyla Nascimento, presidente da ABRH, que organiza o evento. “Se
percebem que seu empregador não compra a sua causa, ele simplesmente vai
embora.” Outra insatisfação grande, segundo ela é não ser reconhecido, cobrado e
valorizado, o que exige melhorias na comunicação e na forma como as lideranças
atuam. Até mesmo o uso das redes sociais é visto como uma questão estratégica.
“É uma realidade e não pode mais ser ignorada.”
Nas empresas de médio porte,
em especial as de tecnologia, esse novo profissional já encontra território
acolhedor. Na Conectt, os 150 funcionários têm a liberdade de propor ideias a
qualquer momento. São eles que decidem também os programas de bem-estar, além de
desfrutar de horários maleáveis. Alguns designers nunca pisaram na sede da
empresa, em São Paulo, e trabalham remotamente de diferentes pontos do Brasil.
No ano passado, um programador recém-contratado avisou que sairia em seguida
para passar uma temporada na Austrália. Foi incentivado e lhe asseguraram que
teria sua vaga na volta. Segundo o sócio-diretor Pedro Waengertner, o importante
é a equipe entregar o trabalho, independentemente da quantidade diária de horas
trabalhadas, e ela se sentir parte fundamental do processo. “O funcionário é um
ativo valioso e, para reter os melhores, é preciso ter flexibilidade”, diz
ele.
Nesse
cenário de mudanças aceleradas, a legislação trabalhista brasileira é um
entrave. Criada em 1943 por Getúlio Vargas e alterada em poucos detalhes ao
longo das últimas décadas, a essência da Consolidação das Leis Trabalhistas
(CLT) corresponde a um Brasil que já não existe. A rigidez da CLT, que impede,
por exemplo, a opção de meio período para várias profissões, é o ponto mais
criticado pelos especialistas. Um estudo realizado no ano passado pelo IZA, de
Werner Eichhorst, em parceria com a USP, faz um comparativo entre os dois países
e mostra que a possibilidade de os funcionários alemães negociarem seus salários
diretamente com os empregadores, sem sindicatos nem governo no meio, ajudou a
salvar 350 mil postos durante a crise de 2008. No Brasil, a pesquisa aponta a
cultura de desconfiança entre as partes como fruto de uma lei extremamente
paternalista. Resultado: dois milhões de casos julgados na Justiça do Trabalho a
cada ano.
Apesar do embaraço legal, o mercado trata de pressionar, na
prática, por mudanças. “Os empregadores vão achando as brechas até alguém ter a
coragem de mudar”, acredita a professora Adriana, da ESPM. O governo Dilma acena
com transformações. Irá propor ao Congresso duas novas formas de contratação, a
eventual e a por hora trabalhada. As alterações podem dar mais dinamismo ao
mercado e permitir que quem dá expediente dois dias na semana ou três horas por
dia seja integrado formalmente à força produtiva do País. Se a proposta for
adiante, estará em maior sintonia com a realidade atual.
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